Há quem não perceba mas, o que acontece, é que as academias são  ambientes altamente hierarquizados. Nada de títulos, nem classificações  concretas dos usuários. Trata-se uma hierarquia implícita, que todos  conhecem e de que pouco se fala, dada sua naturalidade intrínseca ao  ambiente. E ela está intimamente ligada ao supino.
 O supino é um dos exercícios mais famosos, voltado para os músculos  peitorais no qual, deitado, o marombeiro ergue a barra com os pesos na  altura do peito. O supino é um símbolo, existem até torneios para ver  quem levanta mais carga.
 A hierarquia implícita está na faixa de peso. Quem pega menos de 20  quilos é iniciante, frango, ectomorfo, chassi de grilo, peito de garça.  Quem chega finalmente a esse peso completa uma etapa. Um magrelo nunca  esquece os primeiros 20 quilos de cada lado no supino, é a superação da  infância marombal: Freud ficaria fascinado e sabe-se lá como  classificaria as fases de um fazedor de supino.  A cada dez quilos, é  como se fosse uma mudança de faixa de artes marciais, um novo grau  alcançado em uma sociedade secreta – mas sem sangue de bode e outras  parafernalhas. O peso do supino é tão importante em termos hierárquicos  que é considerado louvável “pedir um leve”, ou seja, pedir que outro  marombeiro ajude para que se completem as repetições com o máximo de  carga possível. Negar a alguém um leve no supino é uma ofensa mortal.
 Por outro lado, falhar sem pedir ajuda é sinal de desonra. Como  quando o frango que ainda não chegou aos 20 quilos tenta usar tal carga,  mas não está recebendo um leve e não consegue terminar a série. Nesse  momento, alguém hierarquicamente superior, que já tenha chegado aos  níveis supinais mais altos, precisa correr para ajudar. Nesse caso, o  fracassado pode ouvir a frase mais humilhante proferida por um  marombeiro de classe superior à sua:
 “Pega leve aí, véi.”
 Se o supino existisse entre os samurais Japão feudal, ouvir um “Pega  leve aí, véi” seria motivo para o Seppuku ou Haraquiri, quando o samurai  suicida-se em virtude de uma grande desonra. Esse é um momento de  repensar toda a trajetória na academia; de passar a considerar pedir um  leve; mudar a alimentação e consumir mais proteínas de alto valor  biológico e carboidrato de baixo índice glicêmico; de parar de usar  regata de redinha com os dizeres “competidor” enquanto toma Toddy de  caixinha.
 Aqueles que chegam ao topo da hierarquia do supino, levantando pelo  menos acima de 40 quilos de cada lado, presenciam uma manifestação  interessante. A partir dessa carga, quanto mais peso, mais marombeiros  se reúnem ao redor do que faz o exercício para apreciar o desempenho e  bradar palavras de incentivo às repetições. É uma alta honraria,  concedida a poucos.
 Obviamente, há uma relativização entre academias. Alguém que levanta  40 quilos pode ser o maioral em sua academia, mas em outra, com adeptos  mais monstruosos e que consomem mais batata-doce e frango, passa a ser  coadjuvante. Imagine então na Rússia, onde meninas de treze anos pegam  108 quilos.
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